The Handmaid's Tale: até onde a misoginia pode ir
Por Kelly C. M. Camargo* e Roberto Luiz do Carmo**
TheHandmaid's Tale (O Conto da Aia ou A História de Uma Serva) é uma série televisiva estadunidense, criada por Bruce Miller e baseada no romance homônimo de 1985 da escritora
canadense Margaret Atwood. A atração vai estrear por aqui dia 11 de março,
através do Paramount Channel. A trama traz um
futuro distópico, no qual as taxas de fertilidade das
mulheres caem a níveis alarmantes por conta da poluição e
de doenças sexualmente transmissíveis, preocupando líderes do
mundo todo.
Essa série se passa nos Estados Unidos, e conta o dia-a-dia das
poucas mulheres férteis que vivem sob o regime totalitário que se instaura com um
atentado terrorista que mata o Presidente dos Estados Unidos junto de grande
parte dos políticos eleitos.
Fonte: https://twitter.com/handmaidsonhulu
O Conto de Aia faz um ótimo trabalho ao discutir as
liberdades individuais dessas mulheres, pois num dia elas têm trabalho, independência
e identidade e, no outro dia, a teocracia retira seus direitos mais básicos,
privando-as, inclusive, de dignidade.
Destaca-se que essa sociedade é dividida em castas: as mulheres férteis são consideradas
“Aias”, ficando responsáveis por engravidarem de seus “senhores” e salvarem a
humanidade da extinção. Aquelas que não podem mais reproduzir se tornam as
“Marthas”, e cuidam dos serviços domésticos. As “Tias” são as mulheres
responsáveis por doutrinarem as “Aias”. E, por fim, as “Esposas” são as mulheres
casadas com os homens das classes poderosas, que auxiliam os maridos na manutenção
do status quo.
Apesar de a história corresponder a uma
ficção, há muitas questões que nos remetem a situações que ganharam
importância, principalmente, ao longo do ano de 2017. Por exemplo, a finalidade
da mulher na série é a reprodução, de modo que as “Aias” não possuem direito
aos seus corpos. Sendo que o direito a ter escolha sobre o próprio corpo nunca
deixou de ser uma luta feminista, sobretudo no Brasil, como propõe Sacavone1.
Consequentemente, a “sororidade”2 é colocada repetidamente em pauta
quando as “Tias” e as “Esposas” oprimem as “Aias”3.
Ainda chamam nossa atenção duas questões:
a primeira é o crescimento da influência da bancada evangélica em nosso país,
junto da ascensão do conservadorismo4 observado em níveis mundiais. Talvez
uma ditadura fundamentalista não seja uma possibilidade tão distante de nossa
realidade.
E a segunda questão corresponde à queda
da fecundidade observada em diversas partes do globo, incluindo o Brasil5,
mas especialmente notada nos países tidos como desenvolvidos. Nesse âmbito,
destaca-se que a natalidade, junto da mortalidade e das migrações são
componentes demográficas, que, dentre outras características, atuam no tamanho
e composição da população. Deste modo, com medo de suas baixas taxas de
natalidade, a Austrália6, por exemplo, implementou a política
pró-natalista chamada de Bônus Bebê, que incentiva de forma monetária os casais
a terem filhos. A França, Alemanha, Suécia, Estônia e a Escócia também
incentivam a natalidade a fim de evitar o envelhecimento populacional, que
implica na diminuição da população em idade ativa.
Ressalta-se que políticas públicas foram impulsionadas para
controlar o número de habitantes de vários países, tanto para aumentá-lo,
quanto para diminuí-lo. Entretanto, há de se tomar cuidado, pois as políticas
populacionais podem facilmente apresentar consequências indesejadas7
em longo prazo que são de difícil resolução, vide exemplo chinês. Assim, num
mundo em que as mulheres ainda têm de lutar por salários iguais, as políticas
populacionais precisam mais do que fornecer ajuda monetária, é necessário que
se crie condições para uma sociedade igual entre homens e mulheres que desejam
ser pais e mães, conforme propõe Pinnelli8.
Enfim, há de se admitir que o interesse que tantas mulheres
demonstram com a série televisiva The
Handmaid's Tale é a possibilidade de vislumbrarmos tempos
antigos e sociedades distantes9, com medo de que seja uma realidade
assustadoramente próxima.
Fonte: http://the-handmaids-tale.wikia.com/wiki/Janine
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* Doutoranda em demografia e cientista social (IFCH/Unicamp).
** Professor doutor no Departamento de Demografia (IFCH/Unicamp).
** Professor doutor no Departamento de Demografia (IFCH/Unicamp).
2 THERBORN, Göran. Sexo e poder. São
Paulo: Contexto Editora, 2006.
3 BERNARDES et al. O que é Sororidade e por que
precisamos falar sobre? Carta Capital, 2 de junho
de 2016. Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2016/06/02/o-que-e-sororidade-e-por-que-precisamos-falar-sobre/
4 MORAES, Reginaldo. A onda conservadora e o risco de uma 'nova
normalidade'. Carta Capital, 29 de
janeiro de 2018. Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-onda-conservadora-e-o-risco-de-uma-nova-normalidade-/4/39267
5 CAVENAGHI, Suzana;
BERQUÓ, Elza. Perfil socioeconômico e demográfico da fecundidade no Brasil de
2000 a 2010. In. CAVENAGHI, Suzana; CABELLA, Wanda (Org.). Comportamento reprodutivo e fecundidade na América Latina:
uma agenda inconclusa. Río de Janeiro: ALAP, p. 67-89, 2014.
6 ‘Bônus bebê’ e
‘filho único’ são exemplos de controle populacional. Laboratório de Demografia
e Estudos Populacionais, 31 de outubro de 2011. Disponível em: http://www.ufjf.br/ladem/2011/10/31/bonus-bebe-e-filho-unico-sao-exemplos-de-controle-populacional/
7 Por que a política do
filho único virou uma bomba demográfica na China, BBC Brasil, 29 de outubro de
2015. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/10/151029_china_bomba_demografica_cc8 PINNELLI, ANTONELLA. Gênero e família nos países desenvolvidos. Séries Demográficas. Campinas: ABEP, v. 2, p. 55-98, 2015.
9 United Nations Entity for Gender Equality and the Empowerment of Women. Disponível em: http://www.un.org/womenwatch/daw/beijing/platform/
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